quarta-feira, 1 de outubro de 2008

Educação Física : cada vez mais!



Daniel Sampaio

No meu tempo do velho liceu normal de Pedro Nunes os professores de Educação Física eram quase sempre gente acéfala, disponíveis para exigir uns saltos de plinto e umas corridas à volta do ginásio, sem qualquer critério ou exigência de qualidade. Os mais hábeis fisicamente cumpriam o ritual com gosto, os mais desajeitados arrastavam penosamente os rabos pesados em exercícios inacessíveis, incitados por berros críticos dos mestres e piadas rasteiras dos colegas. Nos balneários, a água gelada dificultava o banho de muitos e a timidez de alguns era notada, quando tirávamos a roupa de ginástica e regressávamos ao nosso traje habitual. Não tenho memória de algum colega especialmente dotado para a prática desportiva, porventura descoberto naquelas insípidas aulas. Lembro um professor arrogante, conhecido pelas repetidas pancadas com os nós dos dedos sobre as nossas cabeças indefesas e que por isso recebeu a alcunha de ‘Sargento dos carolos”, recordo outro senhor estranhamente barrigudo para a sua especialidade e que se limitava a utilizar criteriosamente o apito para ritmar uns exercícios sem sentido, não esqueço ainda outro docente de Educação Física que falava connosco e de certa forma atenuava o discurso culpabilizante sobre o nosso corpo, que o Padre de Religião e Moral semanalmente debitava sem cessar.
Quando os meus filhos andaram nas suas Escolas Básicas e Secundárias notei grandes melhorias. Os professores de Educação Física conheciam os alunos individualmente e preocupavam se com coisas importantes, como a coordenação psico-motora, a lateralidade e a noção de imagem corporal. Sobretudo, verificavam a integração do aluno no grupo juvenil, promoviam torneios que ajudavam a que muitos alunos não deixassem de vez outras disciplinas sem sentido para muitos jovens actuais. Um dos meus filhos estava um pouco perplexo com uns gritos que o professor de Educação Física soltava qualquer coisa como “Iaaanebaa”! no intervalo dos exercícios. Com uma pressa pouco habitual para a época e infelizmente normal em muitos pais de hoje, fui lá perguntar o que aquilo queria dizer. ‘Uns simples gritos de incitamento, caro senhor. Reparei que os entusiasmava assim. Olhe, já agora, treine o seu filho a agarrar mais rapidamente uma bola. Pode ajuda-lo a estar mais à vontade consigo próprio. Não acha que isso é importante na idade dele?” Foi uma boa lição para mim e uma aprendizagem importante para o meu filho.
Nos múltiplos contactos que tenho nas escolas, passei a ouvir, com redobrada atenção, tudo o que os Professores de Educação Física têm para dizer. Conheci muitas situações em que a sua não intervenção levou a que muitos jovens abandonassem precocemente a escola, ou prolongassem perigosamente a experimentação de álcool e drogas. Quando escrevi o meu livro Voltei à escola, trabalhei com estagiários de Educação Física que foram dos docentes mais activos na promoção de novos projectos de integração de alunos-problema. Com um professor de Educação Física aprendi como tinha sido importante colocar um aluno turbulento e de maus resultados académicos a arbitrar um jogo de futebol, até esse momento em parte desorganizado pela sua inquietação e ausência de regras. Alguns docentes de Educação Física orgulham-se hoje de ter transformado rapazes e raparigas problemáticos em atletas de alta competição. Acima de tudo, sei bem que os novos professores desta disciplina compreendem como o corpo é quase sagrado na adolescência. Amado ou odiado, o corpo é objecto de uma permanente atenção por parte dos jovens de hoje. As transformações corporais que caracterizam a puberdade, o culto do corpo incentivado pela publicidade, as identificações com heróis do cinema e do desporto, a influência dos modelos a exibirem colecções dos estilistas, fornecem um contexto em que o corpo se torna central e onde os professores de Educação Física podem penetrar mais facilmente que outros docentes. Por outro lado, o gosto por comportamentos de risco de alguns jovens actuais pode ser canalizado para actividades na escola ou na cidade, com a coordenação de professores de Educação Física. Estou-me a lembrar de uma escola da província, onde uma jovem professora desta área, em colaboração com a autarquia, conseguiu para a escola uma parede de escalada, passando a existir menos fugas à escola e menos turbulência no pátio.
Por todas estas razões, tenho dificuldade em compreender a possibilidade anunciada de redução da carga horária da disciplina de Educação Física. Para mim fazia pelo contrário, muito mais sentido aumentá-la significativamente. Em culturas juvenis fortemente caracterizadas pelo lazer e pelo culto do corpo, a ginástica é um veículo fundamental para unir os jovens e promover a sua saúde. O desporto escolar não chega porque é só para alguns, para os mais motivados. A Educação Física não deixa ninguém de fora e, se o professor for atento, evita a exclusão e o elitismo. Já repararam como os ‘betos” e os “chungas” se unem num jogo futebol?
Certamente essa diminuição de carga horária não passará de um boato. Até lá, no entanto, é bom dizer: “Professores de Educação Física, uni-vos! Mais aulas de Educação Física “




in Notícias Magazine artigo de Daniel Sampaio

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